quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Explanação 5 - A Perseguição em Tatsunokuchi

Budismo do Sol

Escrito 5: A Perseguição em Tatsunokuchi

“Abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” Manifestando o grandioso potencial inerente

A Perseguição em Tatsunokuchi

Brasil Seikyo, Edição 2339, 10/09/2016, pág. B1 / Encontro com o Mestre


Quando sofri aquela perseguição no décimo segundo dia, o senhor não apenas me acompanhou a Tatsunokuchi, mas também declarou que morreria ao meu lado. Só posso dizer que isso é algo extraordinário. [...]

Entretanto, nesta existência, como devoto do Sutra do Lótus, fui banido e condenado à morte, no exílio em Ito e na execução em Tatsunokuchi. Pertencente à província de Sagami, Tatsunokuchi foi o local onde Nichiren ofereceu a própria vida. Em virtude de ele ter morrido lá para proteger o Sutra do Lótus, o que esse local poderia ser senão a terra do buda? [...] Nesse sentido, todos os lugares onde Nichiren enfrenta perseguições são a terra do buda.

De todos os lugares deste mundo saha, é em Tatsunokuchi, em Katase, na província de Sagami, no Japão, onde se encontra a vida de Nichiren. Por ele ter dado sua vida nesse local para proteger o Sutra do Lótus, Tatsunokuchi é digna de ser chamada Terra da Luz Tranquila. Isso é o que o capítulo “Os Poderes Sobrenaturais” revela com a seguinte afirmação: “Seja num jardim, num bosque,... em vales montanhosos ou em extensos ermos... nesses lugares os budas entraram no parinirvana”. (CEND, v. I, p. 204)


Introdução

“Uma vida tumultuada” — são palavras que, certa ocasião, registrei por escrito.

Passaram-se sessenta e oito anos desde que me tornei discípulo de Josei Toda e cinquenta e cinco anos desde que fui empossado como terceiro presidente da Soka Gakkai. Foram anos marcados por grandes turbulências. Avancei por essa vida tumultuada, enfrentando ondas violentas, uma após outra, sem momento de descanso ou hesitação.

Na juventude, minha saúde era tão frágil que o médico disse que eu provavelmente não chegaria aos 30 anos. Apesar disso, ainda estou aqui hoje e ultrapassei grandes obstáculos e desafios. E sou muito feliz por ter sido capaz de contribuir com a criação da vigorosa e abrangente correnteza do kosen-rufu mundial com todos vocês.

“Os jovens precisam avançar”

Em setembro de 1948, pouco mais de um ano após ter ingressado na Soka Gakkai, anotei em meu diário quanto me sentia inspirado com as explanações do Sr. Toda sobre o Sutra do Lótus, que eram repletas de compaixão e compromisso inabalável em relação ao kosen-rufu.

A ilimitada compaixão de Nichiren Daishonin que, movido unicamente pelo desejo de conduzir todas as pessoas à iluminação, lutou contra as adversidades para trazer a brilhante luz da aurora para uma época maléfica e obscura me emocionam às lágrimas. Os jovens precisam avançar, seguindo sempre adiante. Os jovens precisam avançar para garantir a eterna transmissão da Lei.1

O Sr. Toda fez com que eu, um jovem comum, despertasse para o caminho de mestre e discípulo dedicado à elevada missão de propagar a Lei Mística. Ele me ensinou que nós, membros da Soka Gakkai, somos bodisatvas da terra e que cada um é um buda infinitamente nobre munido de um potencial ilimitado.

Quando as nuvens da ignorância se dissipam, reconhecemos que nós, mortais comuns, somos dotados de um poder inerente eterno e vasto como o próprio universo.

Os seres humanos possuem um poder sublime; são realmente grandiosos e magnificentes. Todos, igualmente, possuem esse estado de vida de máxima nobreza. Por esse motivo, o Budismo de Nichiren Daishonin é uma filosofia de respeito à vida e aos seres humanos. Aqueles que despertaram para a missão de propagar a Lei Mística conseguem extrair de dentro de si ilimitada coragem e sabedoria.

Nichiren Daishonin demonstrou plenamente esta verdade para todas as pessoas dos Últimos Dias da Lei por meio de sua luta abnegada em prol do kosen-rufu. Como indivíduo, ele “abandou o transitório e revelou o verdadeiro”, estabelecendo um exemplo de como todos podem evidenciar o nobre estado de buda originalmente inerente.

Nesse trecho, estudaremos esse profundo princípio com base no escrito A Perseguição em Tatsunokuchi, uma das cartas de Daishonin para Shijo Kingo.

Trecho 1

Quando sofri aquela perseguição no décimo segundo dia, o senhor não apenas me acompanhou a Tatsunokuchi, mas também declarou que morreria ao meu lado. Só posso dizer que isso é algo extraordinário. [...] (CEND, v. I, p. 204)

O sincero incentivo para um discípulo dedicado

Essa carta, endereçada a Shijo Kingo, foi escrita em 21 de setembro de 1271, enquanto Nichiren Daishonin estava detido na residência de Homma Rokuro Saemon-no-jo2 (Homma Shige­tsura) em Echi, província de Sagami (atual cidade de Atsugi, na província de Kanagawa). Haviam se passado apenas nove dias após Daishonin ter sobrevivido à Perseguição de Tatsu­nokuchi, uma tentativa de decapitá-lo na calada da noite e quando esteve muito próximo de perder a vida. Ao tomar conhecimento do perigo iminente que Daishonin estava enfrentando, Shijo Kingo correu para ficar ao seu lado e o acompanhou até Tatsunokuchi [também situado na província de Sagami]. Quando a execução estava prestes a se consumar, Kingo insistiu que cometeria suicídio e morreria junto com ele.

Daishonin declara: “Só posso dizer que isso é algo extraordinário” (CEND, v. I, p. 204), referindo-se ao laço entre mestre e discípulo que o unia a Shijo Kingo, que encarou a possibilidade de morrer ao seu lado em Tatsunokuchi.

O sereno estado de vida de Nichiren Daishonin

Vamos rever os eventos que levaram à Perseguição de Tatsunokuchi.

Ataques caluniosos desferidos contra Daishonin pelo sacerdote Ryokan3 da escola Preceitos-Palavra Verdadeira e outros que nutriam ódio profundo por ele estavam por trás da perseguição. Além disso, com o pânico e a agitação causados pela crescente ameaça de invasão por parte das forças do império mongol, o governo tentava reforçar seu controle e, nesse contexto­, viam Daishonin e seus seguidores com antagonismo [como uma força que desafiava o regime].

Em 12 de setembro de 1271, um grande grupo de soldados armados, liderado por Hei no Saemon-no-jo Yoritsuna,4 atacou a morada de Daishonin em Kamakura e o prendeu. Daishonin denunciou destemidamente esse ato, declarando: “Que espetáculo! Vejam como Hei no Saemon enlouqueceu! Cavalheiros, os senhores acabaram de derrubar o pilar do Japão” (WND, v. I, p. 766). Após ser preso, Nichiren Daishonin foi levado para a mansão de uma personalidade influente no governo de Kamakura, Hojo Nobutoki,5 que era comandante militar de Sado. Esse fato indica que a decisão de exilar Nichiren Daishonin na remota Ilha de Sado já havia sido tomada.

Porém, no meio da noite, Daishonin foi levado de cavalo para outro lugar. Aparentemente, certos oficiais do governo de Kamakura tramaram secretamente decapitá-lo.

Enquanto era conduzido pela estrada à margem da praia Yui, rodeado por soldados, Nichiren Daishonin enviou um mensageiro até Shijo Kingo. Quando soube do que estava acontecendo, Kingo correu descalço ao encontro de Daishonin. Quando Shijo Kingo tomou as rédeas do cavalo, Daishonin disse-lhe: “Chegou o momento de oferecer minha cabeça ao Sutra do Lótus” (WND, v. I, p. 767).

Finalmente chegam a uma praia afastada — Tatsunokuchi, nos arredores de Kamakura. Foi no horário das 2h às 4h da madrugada, e a área estava envolta no silêncio e na escuridão. Quando a espada é sacada, Kingo chora e diz a Daishonin: “São seus últimos momentos!” (Ibidem). Daishonin, porém, responde serenamente que não poderia imaginar alegria maior do que dar a sua vida pelo Sutra do Lótus, e que Kingo devia se alegrar e sorrir.6

Nesse instante, quando forças demoníacas, os “ladrões de vida”, tentavam dar fim a Daishonin, um estranho fenômeno — um episódio muito conhecido — aconteceu e ele escapou da morte por um triz em decorrência disso. Na parte final dessa carta, Daishonin declara que a divindade da Lua — uma das três divindades celestiais de luz (divindades do Sol, da Lua e das estrelas) que protegem os praticantes do Sutra do Lótus — apareceu como “um objeto luminoso” e o protegeu em Tatsunokuchi (cf. CEND, v. I, p. 205).

Aterrorizados com esse incidente, os soldados abandonaram a tentativa de execução. Posteriormente, Daishonin foi levado para Echi, e Shijo Kingo o acompanhou no trajeto. Daishonin escreve nessa carta que depois de chegarem a Echi, a divindade das estrelas também apareceu e, portanto, ele estava certo de que seria protegido também pela divindade do Sol (cf. Ibidem, p. 206).7

Na atualidade, o Centro de Estudos da SGI, na província de Kanagawa, situa-se na encosta da área em que se acredita ser a localização de Tatsunokuchi. Dos seus jardins, pode-se ver a ilha de Enoshima próxima dali [de onde surgiu o objeto luminoso na ocasião da Perseguição de Tatsunokuchi]. É um local propício para se refletir sobre a provação de Daishonin, de ter a própria vida ameaçada, e renovar a determinação de concretizar o kosen-rufu. Muitos associados da SGI visitam o centro de estudo e mantêm calorosos diálogos com os membros da localidade.

Trecho 2 do Gosho

Entretanto, nesta existência, como devoto do Sutra do Lótus, fui banido e condenado à morte, no exílio em Ito e na execução em Tatsunokuchi. Pertencente à província de Sagami, Tatsunokuchi foi o local onde Nichiren ofereceu a própria vida. Em virtude de ele ter morrido lá para proteger o Sutra do Lótus, o que esse local poderia ser senão a terra do buda? [...] Nesse sentido, todos os lugares onde Nichiren enfrenta perseguições são a terra do buda.

De todos os lugares deste mundo saha, é em Tatsunokuchi, em Katase, na província de Sagami, no Japão, onde se encontra a vida de Nichiren. Por ele ter dado sua vida nesse local para proteger o Sutra do Lótus, Tatsunokuchi é digna de ser chamada Terra da Luz Tranquila. Isso é o que o capítulo “Os Poderes Sobrenaturais” revela com a seguinte afirmação: “Seja num jardim, num bosque,... em vales montanhosos ou em extensos ermos... nesses lugares os budas entraram no parinirvana”. (CEND, v. I, p. 204)

Onde se enfrentam perseguições pelo Sutra do Lótus é a terra do buda

Na passagem imediatamente anterior a esta, Daishonin diz: “Inúmeros foram os lugares, em existências passadas, onde dei a vida para proteger esposa e filhos, terras e seguidores! (…) Entretanto, não houve uma única vez em que doei a vida pelo Sutra do Lótus ou em que sofri perseguições para defender o daimoku [Nam-myoho-renge-kyo]” (CEND, v. I, p. 204). Como em nenhum desses casos em que dera a vida por algo a finalidade fora para atingir o estado de buda, nenhum dos lugares onde tais fatos ocorreram é a terra do buda, reflete ele solenemente [nessa parte].

Porém, as perseguições que enfrentara na vida, que até então incluíam um exílio e uma iminente execução, diz ele, aconteceram por ele ser o devoto do Sutra do Lótus e pelo Sutra do Lótus.

No exemplar dos Escritos de Nichiren Daishonin do Sr. Toda, que foi confiscado pelas autoridades militaristas durante a Segunda Guerra Mundial, essa passagem está claramente sublinhada.

Nesse trecho, “ser exilado” corresponde ao exílio em Izu em 1261, enquanto “condenado à morte” refere-se ao fato de quase ter sido decapitado em Tatsunokuchi. Daishonin sofrera várias ameaças à sua vida antes disso, contudo, como ele aponta ao afirmar “Tatsunokuchi, na província de Sagami, é o lugar onde Nichiren deu sua vida” (Ibidem), a Perseguição de Tatsunokuchi foi um evento particularmente decisivo.

Permanecer inabalável ao enfrentar uma perseguição que poderia significar dar a vida pelo Sutra do Lótus — essa atitude, em si, é uma expressão do sublime estado de buda. Não há dúvida de que essa convicção, em relação ao lugar onde ele enfrentara tal perseguição, o impeliu a declarar: “O que esse local poderia ser senão a terra do buda?” (Ibidem).

Por ser uma terra do buda, a pessoa que ali habita é um buda. Shakyamuni atingiu a iluminação sob a árvore bodhi, perto de Gaya, na Índia. Nichiren Daishonin manifestou seu elevado estado de vida como o Buda dos Últimos Dias da Lei em Tatsunokuchi.

Nessa carta, citando uma passagem do capítulo “Meios Apropriados” (2º) do Sutra do Lótus, Daishonin declara: “Nas terras do buda das dez direções há somente a Lei do veículo único” (Ibidem). Em todos os lugares, em todas as dez direções, o Sutra do Lótus é o único ensinamento para se atingir o estado de buda. Consequentemente, o local em que se enfrenta perseguições em prol do Sutra do Lótus é a terra do buda, ou o lugar onde o Buda reside.

Qualquer lugar pode ser transformado na Terra da Luz Tranquila

Daishonin conclui, portanto, que “todos os lugares onde Nichiren enfrenta perseguições são a terra do buda” (Ibidem), e declara que há um lugar, em particular, onde “se encontra a vida de Nichiren. Por ele ter dado sua vida nesse local para proteger o Sutra do Lótus…” (CEND, v. I, p. 204), esse lugar, diz ele, é a Terra da Luz Tranquila — em outras palavras, a eterna terra do buda.

Na carta, Daishonin identifica claramente o campo de batalha onde ele travou sua luta crucial — a batalha entre o Buda e as forças demoníacas, dizendo: “De todos os lugares deste mundo saha, é em Tatsunokuchi, em Katase, na província de Sagami, no Japão” (Ibidem). Se Nichiren Daishonin não tivesse assumido uma postura firme naquele local, como um corajoso praticante do Sutra do Lótus, Tatsunokuchi seria apenas um lugar-comum. Sua poderosa determinação de viver de acordo com a Lei Mística até o fim é o que transformou esse lugar em particular, neste mundo saha repleto de sofrimento, na Terra da Luz Tranquila que expressa o eterno benefício da Lei Mística. Esse é o significado do princípio budista “o mundo saha é a própria Terra da Luz Tranquila”.

Para fundamentar essa afirmação, Daishonin cita uma passagem do capítulo “Os Poderes Sobrenaturais d’Aquele que Assim Chega” (21º) do Sutra do Lótus, que declara que, após o falecimento d’Aquele que Assim Chega, os locais onde aqueles que praticam o Sutra do Lótus conforme ele instruiu — seja um jardim, um bosque, vales montanhosos ou uma selva extensa — são lugares onde os budas alcançaram a iluminação, expuseram a Lei e entraram no nirvana (cf. LSOC, cap. 21, p. 316).

Na era após o falecimento do Buda, qualquer lugar onde as pessoas pratiquem exatamente de acordo com os ensinamentos do Buda é o lugar onde o Buda eterno reside constantemente.

Notas

1. Traduzido do japonês. IKEDA, Daisaku. Kantogen Kogi Shu [Coletânea de Artigos e Explanações]. Tóquio: Soka Gakkai, v. 4, p. 154-155, 1966.

2. Homma Rokuro Saemon-no-jo: Também conhecido como Homma Shigetsura. Homma serviu como vassalo do poderoso oficial Hojo Nobutoki que, na época, era o governador da província de Musashi e comandante militar da Ilha de Sado. Ao mesmo tempo que possuía um feudo em Echi, na província de Sagami, Homma também era administrador de Niiho, na Ilha de Sado, bem como subcomandante militar de toda a ilha. Daishonin foi exilado em Sado sob sua custódia.

3. Ryokan (jap. Rykan; 1217–1303): Também conhecido como Ninsho. Sacerdote da escola Preceitos-Palavra Verdadeira e contemporâneo de Nichiren Daishonin. Com o apoio do clã Hojo, Ryokan tornou-se o prior do templo Gokuraku-ji em Kamakura e adquiriu grande influência. Era inimigo de Daishonin e conspirou ativamente com as autoridades a fim de perseguir a ele e seus discípulos.

4. Hei no Saemon-no-jo Yoritsuna (jap.; m. 1293): Também conhecido como Taira no Yoritsuna. Importante autoridade da regência Hojo; controlou o xogunato de Kamakura e governou o Japão no século 13. Serviu a dois regentes sucessivos, Hojo Tokimune e Hojo Sadatoki, e exerceu forte influência como subchefe do Posto de Comando Militar (o chefe era o próprio regente). Foi também um dos perpetradores da perseguição a Nichiren Daishonin e aos seguidores deste.

5. Hojo Nobutoki (1238–1323): Uma figura poderosa no governo Kamakura. Na época da Perseguição de Tatsunokuchi, ele era o governador da província de Musashi (atualmente Tóquio, prefeitura de Saitama e parte da prefeitura de Kanagawa) e chefe militar da Ilha de Sado. Influenciado pelos rumores caluniosos do sacerdote Ryokan e adeptos da Nembutsu, ele foi envolvido nas manobras para perseguir Daishonin e seus seguidores.

6. Em As Ações do Devoto do Sutra do Lótus, Nichiren Daishonin escreve: “Finalmente, chegamos aonde imaginei ser o local de minha execução. Dito e feito; de súbito, os soldados pararam e, inquietos, começaram a dar voltas, cada um para um lado. Saemon-no-jo [Shijo Kingo], aos prantos, disse: ‘São seus últimos momentos!’ E respondi: ‘Não compreende! Que alegria maior poderia haver? Não se lembra do que prometeu?’” (WND, v. I, p. 767).

7. Daishonin escreve: Soube, extraoficialmente, que por ordens do senhor de Kamakura [Hojo Tokimune], serei exilado na Ilha de Sado. Entre os três filhos celestiais da luz, a divindade da Lua salvou minha vida em Tatsunokuchi, aparecendo na forma de um objeto brilhante; e a divindade das estrelas desceu para saudar-me há quatro ou cinco dias. Agora só falta aparecer a divindade do Sol, e com certeza, ela me protegerá. Que reconfortante! Que encorajador!” (CEND, v. I, p. 205).

8. Daishonin escreveu: “A partir de então, nenhuma das extremidades que conheci me permitiu atingir o estado de buda. Por eu não ter atingido o estado de buda, os mares e os rios em que joguei minha vida não são a terra do buda” (WND, v. I, p. 196).

9. Daishonin declara: “Nesse sutra, encontramos a seguinte passagem: ‘Nas terras do buda das dez direções há somente a Lei do veículo único’. Isso não fundamenta a minha afirmação? A ‘Lei do veículo único’ é o Sutra do Lótus. Não existe outro ensinamento verdadeiro a não ser o Sutra do Lótus em quaisquer das terras do buda das dez direções. A passagem do sutra continua: ‘Não há duas nem três, exceto quando o Buda prega-os como meios apropriados’. Nesse sentido, todos os lugares onde Nichiren enfrenta perseguições são a terra do buda” (CEND, v. I, p. 204).


“Abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”

Manifestando o grandioso potencial inerente

Trecho 2 do Escrito:

Entretanto, nesta existência, como devoto do Sutra do Lótus, fui banido e condenado à morte, no exílio em Ito e na execução em Tatsunokuchi. Pertencente à província de Sagami, Tatsunokuchi foi o local onde Nichiren ofereceu a própria vida. Em virtude de ele ter morrido lá para proteger o Sutra do Lótus, o que esse local poderia ser senão a terra do buda? [...] Nesse sentido, todos os lugares onde Nichiren enfrenta perseguições são a terra do buda. 
De todos os lugares deste mundo saha, é em Tatsunokuchi, em Katase, na província de Sagami, no Japão, onde se encontra a vida de Nichiren. Por ele ter dado sua vida nesse local para proteger o Sutra do Lótus, Tatsunokuchi é digna de ser chamada Terra da Luz Tranquila. Isso é o que o capítulo “Os Poderes Sobrenaturais” revela com a seguinte afirmação: “Seja num jardim, num bosque,... em vales montanhosos ou em extensos ermos... nesses lugares os budas entraram no parinirvana”. (CEND, v. I, p. 204)

O budismo nos capacita a atingir um estado de vida tão vasto quanto o universo

Em Abertura dos Olhos, redigida por Nichiren Daishonin algum tempo depois no inverno gélido de Sado, consta: “No décimo segundo dia do nono mês do ano passado, entre as horas do rato e do boi [entre 23 horas e 3 horas], esta pessoa chamada Nichiren foi decapitada. Foi sua alma que chegou a esta Ilha de Sado...” (CEND, v. I, p. 282).
Esta é uma referência ao processo de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” que Daishonin vivenciou. Ele abandonou sua condição transitória de pessoa comum presa ao fardo do carma e sofrimentos e, apesar de continuar sendo um simples mortal, revelou seu verdadeiro eu de buda do tempo sem início,1 incorporando um estado de completa liberdade em total comunhão com a eterna Lei Mística.
No capítulo “A Extensão da Vida d’Aquele que Assim Chega” (16º) do Sutra do Lótus, Shakyamuni também abandona a condição transitória e revela seu verdadeiro eu — esclarecendo que, na realidade, não havia atingido a iluminação pela primeira vez sob a árvore bodhi na Índia, mas em um tempo inimaginavelmente remoto no passado.
Para nós, o significado fundamental disso não reside no fato de o buda ter se revelado como buda eterno, superior e isolado dos seres comuns ou dos “nove mundos” (mundo do inferno ao mundo dos bodisatvas),2 antes, representa um chamado para que todos voltem a atenção para Shakyamuni como ser humano. Trata-se de um chamado para que as pessoas adotem o buda Shakyamuni humano como modelo, seguindo o exemplo dele para que despertem para a grandiosidade inerente à própria vida.
Por ele próprio “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”, Daishonin abriu o caminho para que todos os seres humanos pudessem atingir o estado de buda na forma que se apresentam — ou seja, manifestar o mundo dos budas como indivíduos comuns dos nove mundos.
Isso significa que as pessoas comuns, cuja vida é governada por desejos egoístas e presa ao fardo do carma e do sofrimento, retornam à condição de vida inerente do tempo sem início, rompem as correntes do carma e se tornam um buda repleto de compaixão e sabedoria que deseja ajudar toda a humanidade a atingir a iluminação. Este é o mais nobre estado que podemos experimentar como ser humano. Toda sensei definia esse aspecto como “pessoa comum iluminada desde o tempo sem início”.
Esse estado de vida inerente é o do buda do tempo sem início. Daishonin estabeleceu um caminho pelo qual todas as pessoas podem atingir a iluminação e sua presença foi como a luz do sol inundando uma caverna que permaneceu na escuridão por incontáveis kalpa [período de tempo extremamente longo].

Uma única pessoa a “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” pode abrir o caminho para todas as outras 

No final desta carta [A Perseguição em Tatsunokuchi], Daishonin, mais uma vez, elogia Shijo Kingo por tê-lo acompanhado a Tatsunokuchi, o local em que ele revelou seu verdadeiro eu, dizendo: “O senhor acompanhou Nichiren, jurando dar sua vida como um devoto do Sutra do Lótus. (...), assim como eu próprio, estava determinado a morrer pelo Sutra do Lótus” (Ibidem, p. 204-205).
Shijo Kingo se juntou ao seu mestre de forma incondicional. É provável que ele não compreendesse por completo o profundo significado que a Perseguição de Tatsunokuchi tinha para Daishonin.
Podemos interpretar esta passagem como um indicativo de que o mestre está sempre se empenhando para abrir o caminho para o discípulo. O desejo do Buda é a unicidade de mestre e discípulo, de que ambos conquistem a mesma condição. O mestre ora para que o discípulo atinja um estado iluminado idêntico ao que ele já atingiu. O mestre acredita nisso e espera o mesmo do discípulo.  
Em outras palavras, o próprio Daishonin primeiro demons­trou um estado de vida indestrutível, mantendo-se inabalável mes­mo em meio à pior situação imaginável a que um ser humano poderia ser submetido — para que qualquer pessoa pudesse, assim como ele, manifestar a grande Lei que incorpora o princípio da “possessão mútua dos dez mundos”.3 Quando despertamos para o fato de que somos originalmente budas, percebemos que isso também vale para os outros.
“Abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” significa “revelar a verdade” para todas as pessoas — ou seja, evidenciar uma condição de vida suprema e nobre inerente a nós e ajudar os demais a fazerem o mesmo. Somos budas, e os outros também. “Abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” compõe a base fundamental de nossas ações assentadas no respeito a todos os seres humanos.
Consequentemente, no que se refere a Daishonin “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”, isso não representa apenas um ato pessoal, mas uma demonstração de que todos podem revelar plenamente em sua vida o inexaurível repositório de tesouros que existe dentro de si. Como meio para atingi-lo, ele ensina a importância de se empenhar na fé com o espírito de “verdadeira causa” — de sempre avançar a partir deste momento — um modo de prática em que nos dispomos a enfrentar bravamente os mais duros desafios da realidade com base no juramento de unicidade de mestre e discípulo de lutar pela iluminação de toda a humanidade.

“Buda” é outro nome para aquele que continua se esforçando

Enquanto continuarmos dedicando a vida ao kosen-rufu como devotos, ou genuínos praticantes, do Sutra do Lótus, nós nos veremos envolvidos em uma infindável luta contra as forças demoníacas — os “três poderosos inimigos”4 e os “três obstáculos e quatro maldades”.5
Isso aconteceu com Shakyamuni também. Uma antiga escritura budista afirma que, ao atingir a iluminação sob a árvore bodhi depois de repelir as primeiras tentações de Mara, o rei demônio, Shakyamuni continuou sendo atacado por influências negativas, que tentavam persuadi-lo e ameaçá-lo para que abandonasse a ideia de ensinar aos outros a verdade para a qual ele havia se iluminado.6
Atingir a iluminação não significa que [após alcançá-la] não será necessário dar continuidade à prática budista, ou que alguém nunca mais terá de lutar contra as funções demoníacas de novo.
Qual o propósito de se atingir a iluminação? Ser capaz de ajudar todas as pessoas a alcançar a felicidade. O verdadeiro trabalho começa depois que se alcança a iluminação. É aí que as influências malignas atacam com ferocidade ainda maior. Aqueles que conti­nuam se empenhando nessa luta são budas.
Por ocasião da Perseguição de Tatsunokuchi, quando Daishonin “abandonou o transitório e revelou o verdadeiro” em sua própria vida, ele demonstrou seu verdadeiro eu como o buda do tempo sem início por meio de seu exemplo de triunfo sobre uma grande perseguição. Empenhado em cumprir seu juramento seigan — ligado ao grande juramento do Buda pela felicidade de toda a humanidade —, ele acionou, com total plenitude e liberdade, seu poder e capacidade, e enfrentou intrepidamente todos os desafios, instigando, ao mesmo tempo, quem ainda não havia despertado para a natureza inerente de viver de modo fiel a si próprio. Quando pessoas conscientes tomam uma posição, o significado de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” de Daishonin se concretiza.

A Soka Gakkai mantém o espírito de Daishonin

A Soka Gakkai está dando continuidade, fielmente, ao espírito de Nichiren Daishonin de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o presidente fundador da Soka Gakkai, Tsunesaburo Makiguchi, em sua luta contra o ultranacionalismo do Japão, dizia com frequência que a Soka Gakkai devia “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”. Ao sair da prisão, Toda sensei, que havia sido encarcerado com o professor Makiguchi, também conclamou a Soka Gakkai a “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”, resolutamente convicto de que mestres e discípulos Soka se uniriam e empreenderiam ações com base no juramento de realizar o kosen-rufu selado desde o tempo sem início.
E hoje, a Soka Gakkai deve, novamente, “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”. Para tanto, cada um deve se levantar com a consciência de ser um bodisatva da terra e com o compromisso de cumprir seu juramento como genuíno discípulo de Nichiren Daishonin.
Por mais que falemos do maravilhoso poder inato da vida, ou do potencial ilimitado dos seres humanos, por si só, isso não passa de uma abstração. Antes, ao nos empenharmos pelo autoaprimoramento em meio às adversidades mais intensas é que nosso poder inato como seres humanos se revela. O verdadeiro eu, do qual nem tínhamos consciência, vem à tona.
Hoje, passados oitenta e cinco anos desde a fundação da Soka Gakkai, os bodisatvas da terra estão avançando dinamicamente pelo mundo todo. Recitando Nam-myoho-renge-kyo vibrantemente, eles deixaram para trás uma existência repleta de sofrimentos cármicos, deram adeus à resignação e ao desespero e estão agindo pela própria felicidade e pela felicidade dos outros. Tendo despertado para a missão única e pessoal, conduzem uma vida de coragem e esperança.
Quero declarar que todo drama que se desenrola na vida deles, cada epopeia de revolução humana vivenciada por esses indivíduos comuns, constitui um brilhante triunfo da grandeza inerente do ser humano, de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”, dando, assim, expressão ao eterno poder inato a cada um.


Imensurável riqueza interior

Há quatro décadas, em 1975, encontrei-me pela primeira vez com Aurelio Peccei (1908—1984), cofundador do Clube de Roma, um grupo dedicado a reflexões e em busca de soluções para os grandes problemas mundiais.
O diálogo, que girou em torno de nossas preocupações acerca dos rumos da civilização contemporânea e na busca de uma nova esperança para o futuro, no final, teve como ponto de chegada uma conclusão comum. Quando discorri sobre o significado de revolução humana no Budismo de Nichiren Daishonin, o Dr. Peccei assentiu profundamente e apontou a necessidade de uma renascença do espírito humano, uma revolução no interior dos próprios seres humanos.
O Dr. Peccei lutou contra o fascismo na Segunda Guerra Mundial, foi preso e submetido a severa tortura. Ele foi um inesquecível irmão espiritual, um amigo de luta comum. Em nossa interlocução, ele disse: “Recursos externos são limitados, mas nossa riqueza interior é infinita. Ela é completamente inexplorada, e a revolução humana é um meio para acioná-la. Devemos fazer tudo ao nosso alcance para promover a revolução humana”.
Ele destacou de maneira consistente a relevância de desenvolver o infinito potencial, conforme expresso na filosofia da revolução humana. Acredito firmemente que o ponto de vista dele tem profunda consonância com o ensinamento budista de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”, que conclama a todas as pessoas para que despertem para sua nobreza inerente e desenvolvam seu ilimitado potencial interior.

Avancemos a passos
largos de hoje em diante

Em Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente (Ongi Kuden), Nichiren Daishonin cita um comentário de Fu Ta-shih7 da China: “Manhã após manhã levantamos com o Buda, noite após noite com o Buda descansamos. Momento a momento alcançamos o caminho, momento a momento revelamos nosso verdadeiro eu” (OTT, p. 83). “Abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” significa se empenhar na fé com o espírito de “verdadeira causa”, de avançar continuamente a partir deste momento. Significa entrar em ação neste exato instante. Ao agirmos desta forma, transbordará em nosso ser a grande energia vital do tempo sem início. A cada momento, o Budismo do Sol despontará com toda a radiân­cia em nossa vida, iluminando a escuridão dos Últimos Dias da Lei.
Avancemos a passos largos de hoje em diante, fazendo resplandecer o sol da revolução humana, extraindo ativamente o potencial infinito que existe em nós e nos outros!


Notas
1. Buda do tempo sem início: Buda eterno que despertou para a Lei suprema, incorpora a Lei e livremente emprega seus benefícios. “Tempo sem início” não indica um ponto em particular no distante passado, mas a eternidade.
2. “Nove mundos”: Referência aos nove dos “dez mundos”, excluindo-se o mundo dos budas. Os “nove mundos” diferem do mundo dos budas por indicar as condições transitórias e ilusórias da vida. Eles são: 1) mundo do inferno; 2) mundo dos espíritos famintos; 3) mundo dos animais; 4) mundo dos asura; 5) mundo dos seres humanos; 6) mundo dos seres celestiais; 7) mundo dos ouvintes da voz; 8) mundo dos que despertaram para a causa; e 9) mundo dos bodisatvas.
3. “Possessão mútua dos dez mundos”: Princípio formulado por Tiantai com base no Sutra do Lótus. Segundo este princípio, cada um dos dez mundos possui o potencial inerente a todos os dez. Da ótica dos estados de vida potenciais, “possessão mútua” significa que a vida não se fixa a um ou a outro dos dez mundos, mas pode manifestar qualquer um dos dez – do estado de inferno ao estado de buda – a qualquer momento. O ponto fundamental deste princípio é que todos os seres, em quaisquer dos nove mundos, possuem a natureza de buda. Assim, cada pessoa tem o potencial para manifestar o estado de buda, da mesma forma que um buda também possui os nove mundos, não sendo, portanto, separado ou diferente das pessoas comuns.
4. “Três poderosos inimigos”: Também “três tipos de inimigos”. Três categorias de pessoas que perseguem aqueles que propagam o Sutra do Lótus após a morte do Buda, conforme descrito no capítulo “Encorajamento à Devoção” desse sutra. Eles são: 1) leigos arrogantes 2) sacerdotes arrogantes e presunçosos; e 3) sacerdotes respeitados como sábios.
5. “Três obstáculos e quatro maldades”: Vários obstáculos e adversidades que tentam impedir a prática budista. Os “três obstáculos” são: 1) obstáculo dos desejos mundanos; 2) obstáculo do carma, que pode se manifestar na forma de oposição do cônjuge ou dos filhos; e 3) obstáculo da retribuição, também interpretado como obstáculos causados pelas pessoas às quais o praticante deve obediência, como governantes e pais. As “quatro maldades” são: 1) maldade dos cinco componentes; 2) maldade dos desejos mundanos; 3) maldade da morte; e 4) maldade celestial.
6. The Connected Discourses of the Buddha: A Translation of the Samyutta Nikaya [Discursos Agrupados do Buda: Tradução de Samyutta Nikaya]. Tradução de Bhikkhu Bodhi. Boston: Wisdom Publications, 2000. p. 216-220.
7. Fu Ta-shih (497—569): Leigo budista na China que conquistou o respeito do Imperador Wu, da dinastia Liang, que era devoto do budismo. Era não somente um sincero praticante do budismo, mas também um grande filantropo. Construiu o templo Shuang-lin e um repositório para sutras com a intenção de abrigar toda coleção de escrituras budistas. O repositório era único, tendo estantes giratórias com oito faces para armazenar as escrituras. Esse modelo de bibliotecas de sutras foi, posteriormente, adotado por vários templos.


Erratas
Na edição anterior (2.339), página B2, segundo parágrafo, onde se lê “Passaram-se sessenta e seis anos desde...”, leia-se “Passaram-se sessenta e oito anos desde...”.
Na página B3, primeira coluna, final do primeiro parágrafo, onde consta “[nessa parte].”, o correto é “[nessa parte].8”; ainda nessa mesma página, última coluna, final da primeira frase do primeiro parágrafo, consta “(Ibidem).”, o correto é “(Ibidem).9”.
Diferentemente do que foi publicado na nota 8, também da página B3, a informação correta é: “Como resultado, nenhum desses fins de minhas existências passadas me possibilitou alcançar o estado de buda. Pelo fato de eu não ter atingido o estado de buda, os mares e os rios onde eu havia dado minha vida não se tornaram terras do buda” (CEND, v. I, p. 204).